Com este artigo iniciamos a rubrica “A par e passo”, uma proposta para nos ajudar a entrar no coração de cada aparição da Mensagem de Fátima.
No passado dia 21 de março fizemos memória das aparições do Anjo aos Pastorinhos, no ano de 1916. Assim, ao terminarmos este mês, aqui vos deixamos com a reflexão da Ir. Brittany, que nos oferece uma leitura da missão batismal à luz das aparições do Anjo.
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Como a pequena Jacinta, gosto muito de pensar. Pensar no mundo, pensar na vida, pensar em tudo ou pensar em nada! Mas, por vezes, no meio dos meus pensamentos, lembro-me o que Francisco dizia: “O Anjo é mais bonito que tudo isso. Pensemos n’Ele”.
De facto, Francisco tem toda a razão. Quando pensamos nas aparições do Anjo, vemos que se trata de algo muito maior do que uma simples aparição. Na verdade, podemos dizer que as aparições do Anjo são reflexo do nosso percurso na fé. À medida que os Pastorinhos, (e cada um de nós) foram visitados pelo Anjo, participaram num “curso intensivo” na missão batismal, que, segundo a Lumen Gentium, é “tornar-se participantes, a seu modo, da função sacerdotal, profética e real de Cristo.“
1. O Hino do Profeta
Na primeira aparição, o Anjo diz aos pastorinhos: “Não temais, orai comigo.” Porquê? Para que escutassem a vontade de Deus e se tornassem a Sua voz para o mundo. No Antigo Testamento, os profetas não eram tanto pessoas que viam o futuro, mas eram pessoas que viam o presente como Deus o vê. Tal como o Senhor fez para o profeta Jeremias, o Anjo da Paz coloca na boca dos três pastorinhos o novo “hino” da sua vida como profetas. Para se tornarem a voz da vontade de Deus no mundo, eles teriam de escutar atentamente a Sua mensagem, e encará-la com as suas próprias vidas. Eles teriam de aprender a entoar com as palavras-chave do Anjo uma nova melodia na sua oração, a melodia do amor altruísta. Meditamos no hino do Anjo:
“Eu creio, eu adoro, eu espero, e amo-vos“
A relação de um profeta com Deus é chamada a ser pessoal e íntima, para que o profeta possa falar aberta e livremente com Ele sobre o Seu povo, e interceder por eles. As palavras do Anjo recordam a necessidade de rezar, de se comunicar, de adorar a Deus e de O amar. Desta forma, os profetas do Novo Testamento dão a conhecer Cristo aos outros, especialmente através do testemunho da sua vida resplandecente em fé, esperança e caridade. Este é o cântico do profeta, que aprende com o tempo a tornar-se uma parte viva da mensagem que lhe foi dada.
2. A Postura do Sacerdote
Na segunda aparição, os pequenos pastores são confrontados com a realidade da vida do sacerdote. “Que fazeis?”, perguntou o Anjo, “Oferecei constantemente orações e sacrifícios ao Altíssimo”! Com estas palavras, o Anjo recorda o dever sagrado do ofício sacerdotal dos pastorinhos, sendo convidados a oferecer tudo o que são e fazem a Deus em reparação por aqueles que não O amam. Com as palavras do Anjo, os pastorinhos foram convidados a rezar com a postura do sacerdote, humilde e ajoelhado sobre a terra, unindo o mundo através dos seus gestos de oração e sacrifício. Foram chamados a acolher o mundo e a tornar-se responsáveis por ele, oferecendo os seus sacrifícios de amor e de ação de graças ao próprio Deus em nome dos seus irmãos perdidos. Ao obedecerem ao Anjo, e ao encherem o mundo com a sua própria “eucaristia” única, estes pequenos sacerdotes transformaram as suas vidas e a história do mundo. Da mesma forma, esta é a nossa própria vocação: trazer a paz aos nossos países e famílias e criar com os nossos corpos e almas uma ponte entre o céu e a terra, assumindo as nossas próprias responsabilidades como sacerdotes com o nosso constante sacrifício e oração.
3. A Dignidade do Rei
A aparição final do Anjo ensinou aos pastorinhos a sua própria dignidade como reis no reino de Cristo, um reino que Ele próprio disse que não era deste mundo. Como diz o livro do Apocalipse, Cristo resgatou para Deus, homens de todas as tribos, línguas, povos e nações; e fez deles um reino de sacerdotes para o nosso Deus; que reinarão sobre a terra. O reino de Jesus será sempre para o bem de toda a humanidade, e Ele convidou-nos a participar no seu reino, não como escravos humilhados, mas sim, como reis dignos. Na sua comunhão com Cristo, seja através da sua oração de súplica, ou através da comunhão mística do Seu Corpo recebida das mãos do próprio Anjo, os pastorinhos tiveram uma experiência intensa do que significa tornar-se um rei cristão. De entrar em comunhão com Deus, e assumir a Sua vontade para o reino como sua. O Rei dos Judeus reinou da cruz, implorando perdão pelo Seu povo. Também nós, os reis da Nova Aliança, somos chamados a receber a nossa dignidade real do Corpo, Sangue, Alma e Divindade deste mesmo Rei, pedindo perdão a Deus pelo nosso povo, tal como Ele o fez a partir do seu trono de madeira. Como os Pastorinhos, também nós tomamos e recebemos a vida de Cristo, para que a possamos dar àqueles que mais necessitam d’Ele. O sangue de Cristo flui pelas nossas veias, e esta é a nossa maior dignidade como co-herdeiros do Reino.
1915: Batismo
Embora não sejam tão conhecidas, talvez fosse bom pensar nas aparições do Anjo em 1915. A verdade é que, as primeiras aparições marcaram bastante a Lúcia, ela explicava que a deixaram no espírito uma certa impressão que ela não era capaz de explicar. Mas a própria Lúcia confessa nas memórias que se as outras aparições nunca tivessem acontecido, ela provavelmente teria esquecido a graça desses primeiros encontros.
Às vezes, talvez o nosso batismo pode ser um pouco assim. Uma graça forte e primária de encontro com Deus, que, se não for formada e educada com mais encontros com Ele, pode acabar por ser completamente esquecida. Por isso, também dou graças pela oportunidade que Deus nos-dá de participar no curso intensivo do Anjo, para melhor acolher e viver a nossa missão com profetas, sacerdotes e reis!
Brittany Culver, asm
foto: Mario Wallner