O homem do Essencial e do Absoluto | S. João da Cruz

Diante do Essencial, tudo o mais é acessório.
Diante do Absoluto, tudo o mais é relativo.
Diante de Deus – o Essencial e Absoluto – tudo o mais é nada.

Se nada mais pudéssemos dizer de João da Cruz, teríamos já dito o fundamental e mais importante de toda a sua vida e espiritualidade: a centralidade absoluta de Deus, o Único necessário, o Amado e fonte de todo o Amor, Aquele diante de Quem “tudo quanto era ganho, isso mesmo considerou perda” (cf. Fl 3, 7) ou, na linguagem que lhe era própria, NADA.

João da Cruz era um enamorado de Deus, o “Amor maior” a Quem buscava de todo o coração e com todas as suas forças, diante de Quem não hesitava em deixar “amores menores” que o impedissem de se dar “todo ao Todo” (Monte da Perfeição).

A brevidade da sua vida (1542-1591) e a baixa estatura física pela qual era conhecido são inversamente proporcionais à intensidade com que viveu e à robustez do seu legado espiritual que, apesar das mudanças epocais pelas que vamos passando, permanece atual, pois fala-nos e centra-nos n’ Aquele que é “o Alfa e o Ómega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim” (Ap 22, 13).

Filho de um nobre que, por amor, a tudo renuncia para desposar a sua mãe, João de Yepes nasce pobre e cresce ainda mais pobre após a morte prematura do seu pai. Trabalhando e estudando no hospital de Medina del Campo, graças à benevolência de um homem rico que, vendo as suas qualidades lhe deu oportunidade de estudar, surpreendendo todos os que o desejavam para “outros voos” aos 21 anos toma o hábito Carmelita com o nome de Frei João de S. Matias.

Reconhecido por todos pela sua inteligência, piedade e santidade de vida, em 1567 conhece Teresa de Jesus, de quem aceita o convite e desafio de, com ela, reformar o Carmelo, vestindo em 1568 o primeiro hábito Carmelita Descalço e mudando o nome para Frei João da Cruz.

É no contexto da reforma do Carmelo que passa pelas “tantas e tão grandes trevas e trabalhos, tanto espirituais como temporais” (Subida, Prólogo, 1) que tantas vezes a ele associamos e que, como ele mesmo dizia, são “noite para a alma, porque […] fica como que às escuras e sem nada” (1S, 3, 1). Nelas e através delas, João da Cruz vive um verdadeiro e total despojamento, tanto interior como exterior, que o conduz à União Transformante com o Amado:
“Ó noite que guiaste!
Ó noite amável mais do que a alvorada!
Ó noite que juntaste
Amado com amada,
Amada no Amado transformada!” (Noite Escura, 5, 1-5)

A União Transformante com o Amado é, simultaneamente, o ponto de partida e a chave de leitura das diversas obras que nos deixou em herança, fruto maduro da sua experiência espiritual e preciosa mistagogia que perdura no tempo.

Consciente dos perigos do caminho percorrido e da dificuldade daqueles que o percorrem tanto em partilhá-lo – “Só quem passa por isso é que o sente, mas não o sabe dizer” (Subida, Prólogo, 1) – como em encontrar mestres que os compreendam e orientem no caminho, João da Cruz acede ao pedido de escrever, movido tanto pela amizade dos que lho pedem como pela necessidade das almas de “doutrina substancial e sólida [para] chegar à desnudez de espírito” (Subida, Prólogo, 8) que permite a União Transformante no Amor.

Deste modo, para além de Santo, Doutor e Místico, João da Cruz faz-se para todos quantos lêem as suas obras, um verdadeiro companheiro de caminho, um Mestre-Mistagogo que, muito mais que ensinar conceitos e fórmulas, nos “toma pela mão”, acompanhando-nos ao longo do caminho, alertando-nos dos perigos e, pelo testemunho da prova superada, nos conforta e serena nas dificuldades que enfrentamos.

São João da Cruz,
Rogai por nós!

________
Ir. Benedita Costa, asm
14 novembro 2023

Mais
artigos