Olhar para as Aparições de Fátima em 1917 de um ponto de vista histórico é, na verdade, um exercício tão importante quanto complexo, dada a necessidade de atender não só à abundância das fontes a ser consultadas, como ao contexto específico vivido à época das Aparições, tanto a nível nacional, como mundial.
Viviam-se tempos conturbados, a nível político, económico, social e religioso. A Primeira República era ainda uma “frágil criança” que dava os seus primeiros passos, com a instabilidade própria ao início de qualquer regime político, tendo como uma das suas principais características – particularmente relevante para a relação que viria a ter com as Aparições de Fátima –, a par com um forte autoritarismo, uma intensa anti religiosidade e anticlericalismo que, contrariando o sentir da maioria da população católica, se refletia em diversas restrições na vivência quotidiana da fé.
A agravar este ambiente de instabilidade nacional, vivia-se ainda um momento particularmente dramático no contexto da Primeira Guerra Mundial, na qual combatiam também soldados portugueses, alguns dos quais acabados de partir para a França.
Por esse motivo, a oração “pelos soldados que andam na guerra” era algo não só vivido pessoalmente no seio de cada família, mas também vivido e recomendado pela Igreja, tanto pelo Papa – Bento XV, apenas uma semana antes tinha pedido às crianças de todo o mundo que rezassem pela paz e determinado a inclusão da invocação “Rainha da Paz, rogai por nós” na ladainha lauretana – como pelos párocos nas suas igrejas paroquiais – como aconteceu com o Pe. Manuel Marques Ferreira que, na própria manhã do dia 13 de maio de 1917, na Missa dominical na qual Lúcia, Francisco e Jacinta participaram, recomendou que “se rezasse o terço pelos soldados”[2].
Não é, por isso, de estranhar que, logo no início do diálogo de Lúcia com Nossa Senhora, ao saber que Ela “é do Céu”, brote espontaneamente a pergunta relativamente ao fim da guerra.
Prescindindo da narrativa da Aparição e respetivo diálogo, amplamente divulgados nas Memórias da Irmã Lúcia I[3], as fontes da época nas quais a Aparição de maio de 1917 ficou primeiramente registada exprimem-nos sob a forma de “brancura” e de “dourado” [4] aquilo que, mais tarde, viria a ser caracterizado pela própria Ir. Lúcia como “luz”, «uma luz tão intensa […] que, penetrando-nos no peito e no mais íntimo da alma, fazendo-nos ver a nós mesmos em Deus, que era essa luz, mais claramente que nos vemos no melhor dos espelhos»[5].
Ainda nas fontes da época encontramos o registo de um facto curioso relativo a esta Aparição, a única que os videntes puderam experimentar “a sós”, sem presença de peregrinos e/ou curiosos, que “ficou na memória popular”[6]: durante a Aparição, as ovelhas, privadas da vigilância dos seus guardiães, entraram para um campo de chícharos (espécie de leguminosa de cultivo comum na região) e, inexplicavelmente – segundo critérios humanos e naturais – não só não os comeram como não causaram prejuízos nesse campo, sendo que, após terminada a Aparição, se não fosse a pronta intervenção dos Videntes, rapidamente o teriam dizimado.
Maria Benedita Costa, asm
Foto: Sophie Alves, asm
[1] Por uma questão de acessibilidade de consulta de fontes para aqueles que desejarem aprofundar o tema, citamo-las a partir da obra de Luciano Coelho Cristino (CRISTINO, L. C., As Aparições de Fátima: reconstituição a partir dos documentos, Fátima, Santuário de Fátima, 2017, 1ª ed.), na qual cada Aparição foi tratada individualmente do ponto de vista das fontes documentais.
[2] Cf. CRISTINO, L. C., As Aparições…, p. 25-26.
[3] JESUS, Lúcia de, Memórias da Irmã Lúcia I, Fátima, Secretariado dos Pastorinhos, 2007, 13ª ed.
[4] Cf. CRISTINO, L. C., As Aparições…, p. 28.
[5] JESUS, Lúcia de, Memórias…, 174.
[6] Cf. CRISTINO, L. C., As Aparições…, p. 32.