Os acontecimentos que envolveram o dia 13 de agosto de 1917, muito mais que a vivência de um trauma – que poderia ter ocorrido por terem sido retirados, contra a sua vontade e a dos seus pais, da segurança do seu ambiente familiar – deixaram nos Três Pastorinhos a tristeza própria de quem, esperando ver uma pessoa que ama, sente goradas as suas expectativas pela impossibilidade do encontro, tristeza essa que se intensifica com a ideia de que a pessoa amada poderá viver também essa mesma tristeza.
Exemplo disso, é a narrativa que a Ir. Lúcia nos faz relativamente ao modo como o Francisco viveu esses momentos, expressão clara da sua hierarquia de valores e prioridades que, neste momento, estava já bem consolidada:
«Quando, na prisão, vimos que se passava a hora do meio-dia e que não nos deixavam ir à Cova da Iria, o Francisco dizia:
– Talvez que Nossa Senhora nos venha a aparecer aqui.
Mas, no dia seguinte, manifestava grande pena e dizia, quase a chorar:
– Nossa Senhora é capaz de ter ficado triste, por a gente não ir à Cova de Iria, e não voltar mais a aparecer-nos. E eu gostava tanto de A ver!
Quando a Jacinta, na cadeia, chorava com saudades da mãe e da família, ele procurava animá-la e dizia:
– A Mãe, se não a tornarmos a ver, paciência! Oferecemos pela conversão dos pecadores. O pior é se Nossa Senhora não volta mais! Isso é que mais me custa! Mas também o ofereço pelos pecadores.
Depois, perguntava-me:
– Olha: Nossa Senhora não voltará mais a aparecer-nos?
– Não sei. Penso que sim.
– Tenho tantas saudades d’Ela!
A aparição nos Valinhos foi, pois, para ele, de dobrada alegria. Sentia-se torturado pelo receio de que Ela não voltasse»[1].
Voltando o olhar para a Aparição decorrida “fora do calendário”, prescindimos, uma vez mais do relato registado nas Memórias da Irmã Lúcia[2] para atender aos detalhes não tão amplamente conhecidos que ficaram registados nas fontes da época. Conta-nos Lúcia no seu primeiro escrito sobre as Aparições:
«Chegando a nossa casa fomos logo pastar as ovelhas para um sítio chamado Valinho; andando na companhia do Francisco e do João; a Jacinta tinha ficado em casa; então eu desconfiava que Nossa Senhora nos fizesse alguma visita e por inspiração de Nossa Senhora, pedi ao João que fosse a casa chamar a Jacinta e como ele não quisesse ir, prometi dar-lhe um vintém que tinha; então ele foi; chegando a Jacinta deu um relâmpago e apareceu a Senhora em cima duma carrasqueira.
“Então o que é que vossemecê me quer hoje?” “Quero que continuem a ir o resto dos meses à Cova de Iria; se não tivessem ido embora, o milagre não era tão conhecido”. “A mulher que tem o dinheiro manda perguntar o que é que quer que se faça àquele dinheiro”. “Quero que façam dois andores no dia da festa de Nossa Senhora do Rosário; um leva-o o Francisco com mais três rapazitos, outro levam-no as meninas com mais duas”. “Quero-lhe pedir por algumas pessoas que me pediram para a Senhora as curar”; “daqui a um ano algumas serão curadas”. E nisto subiu como todos os outros meses, inclinada para o lado do nascente»[3].
Um facto curioso relativamente a esta Aparição é-nos narrado, anos mais tarde pelo pai do Francisco e da Jacinta, a quem damos a palavra:
«Era domingo. E eu, só pela tarde, é que cheguei a casa. Quando ia já perto, encontrei o pai do vizinho Augusto que me diz assim: “Ó ti Marto! Então o milagre já está mais aprovado?” […]. “Nossa Senhora tornou a aparecer aos seus cachopos, há bocado, nos Valinhos”. […] Nisto, vejo a Jacinta na estrada, aos pulos, muito satisfeita, com um ramo de carrasqueira na mão e, ao mesmo tempo que ela entra em casa, chega-me um perfume assim tão fino como eu nunca cheirei na minha vida. “Ó Jacinta, que é o que trazes aí?” lhe perguntei. “É um ramo de carrasqueira dos Valinhos, onde Nossa Senhora apareceu, ainda há bocado!” “Ora deixa cá ver!” Peguei no ramo, cheirei-o, mas nada: o perfume tinha desaparecido!»[4].
[1] JESUS, Lúcia de, Memórias da Irmã Lúcia I, Fátima, Secretariado dos Pastorinhos, 2007, 13ª
ed., p. 147.
[2] JESUS, Lúcia de, Memórias… p. 178-179.
[3] DOCUMENTAÇÃO Crítica de Fátima: Seleção de Documentos (1917-1930). Fixação de textos, introduções e notas por Luciano Coelho Cristino. Fátima: Santuário de Fátima, 2013, Doc. 65, p. 233.
[4] CRISTINO, L. C., As Aparições…, p. 69.