Fátima ao detalhe | 13 de setembro de 1917

13 de setembro de 1917[1]

Ao contrário do que muitos esperavam – quer entre as autoridades civis, quer entre a própria família dos Pastorinhos e habitantes de Aljustrel – após o rapto e prisão dos Pastorinhos no mês de agosto – e a divulgação do facto de, mesmo em circunstâncias extremas, estes não terem revelado o segredo recebido da parte de Nossa Senhora – a afluência de devotos e curiosos continuou a crescer ininterruptamente, a ponto de a 13 de setembro, se encontrarem cerca de 30 mil pessoas na Cova da Iria[2].

Prescindindo uma vez mais da narrativa que a Irmã Lúcia nos faz nas suas Memórias[3] – onde prescinde de uma grande parte do relato da Aparição para se concentrar nas circunstâncias que a envolveram – voltamo-nos, uma vez mais, para as fontes da época, para uma visão mais detalhada dos acontecimentos.

Uma leitura sinótica do relato que nos é feito desta Aparição em três das principais fontes da época – o interrogatório do pároco, de 15 de setembro de 1917[4]; o primeiro escrito de Lúcia sobre as Aparições, de 5 de janeiro de 1922[5]; e o depoimento de Lúcia no Processo Canónico, a 8 de julho de 1924[6] – põe em destaque a ausência de uma das mais conhecidas afirmações de Nossa Senhora nessa Aparição que, no entanto, consta no relato das Memórias – «Deus está contente com os vossos sacrifícios, mas não quer que durmais com a corda; trazei-a só durante o dia»[7] – algo que, tendo presente que o sacrifício do uso da corda por parte dos Pastorinhos não era do conhecimento do público, é nada menos que “natural” que fosse “silenciado” pelos Videntes.

A mesma leitura sinótica permite-nos, no entanto, “mergulhar” na intimidade do diálogo entre Lúcia e Nossa Senhora que, juntamente com o pedido de diversas curas e conversões que lhe tinham recomendado que fizesse, repete o pedido, já antes apresentado, de um milagre para que todos acreditem: «Pedi outra vez que fizesse um milagre para o povo acreditar, porque diziam que eu era uma intrujona que devia ser enforcada e queimada»[8] e, com a candura de criança que por então lhe era própria, transmite os “recados” e “apresenta os presentes” que lhe tinham sido recomendados:

«– O povo muito gostava aqui duma capelinha.

– “Metade do dinheiro que juntaram até hoje, façam os andores e dêem-nos à Senhora do Rosário; a outra metade seja para ajuda da capelinha”.

Ofereci-lhe duas cartas e um vidro com água de cheiro.

– Deram-me isto, se Vossemecê os quer.

– “Isso não é conveniente lá para o Céu”».[9]

Esta aparição ficou também conhecida na memória não só dos que a presenciaram, mas de quantos escutaram o seu testemunho, por vários “fenómenos extraordinários” que a acompanharam, tais como a “chuva de rosas” pois, «nos relatos antigos e mais recentes, as testemunhas afirmam, frequentemente, a queda de flores brancas do céu, que se desvaneciam, logo que chegavam ao chão, naquele dia 13 de setembro de 1917»[10], como, por exemplo, o pároco de Santa Catarina da Serra, que, «um pouco afastado sobre uma pequena elevação, observava a multidão, viu esta chuva de rosas. Ficou tão maravilhado que, esquecendo que a autoridade eclesiástica ordenara que se mantivesse alheio ao caso, também começou a entoar o rosário!…».[11]


[1] Por uma questão de acessibilidade de consulta de fontes para aqueles que desejarem aprofundar o tema, citamo-las a partir da obra de Luciano Coelho Cristino (CRISTINO, L. C., As Aparições de Fátima: reconstituição a partir dos documentos, Fátima, Santuário de Fátima, 2017, 1ª ed.), na qual cada Aparição foi tratada individualmente do ponto de vista das fontes documentais.

[2] CRISTINO, L. C., As Aparições…, p. 86.

[3] JESUS, Lúcia de, Memórias da Irmã Lúcia I, Fátima, Secretariado dos Pastorinhos, 2007, 13ª

ed., p. 179-180.

[4] CRISTINO, L. C., As Aparições…, p. 79-80.

[5] DOCUMENTAÇÃO Crítica de Fátima: Seleção de Documentos (1917-1930). Fixação de textos, introduções e notas por Luciano Coelho Cristino. Fátima: Santuário de Fátima, 2013, Doc. 82, p. 320.

[6] DOCUMENTAÇÃO Crítica de Fátima: Seleção de Documentos…, Doc. 82, p. 320.

[7] JESUS, Lúcia de, Memórias…, p.180.

[8] DOCUMENTAÇÃO Crítica de Fátima: Seleção de Documentos…, Doc. 82, p. 320.

[9] CRISTINO, L. C., As Aparições…, p. 79-80.

[10] CRISTINO, L. C., As Aparições…, p. 85.

[11] CRISTINO, L. C., As Aparições…, p. 86.

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