Palavras que são como crianças
19.01.22
PALAVRA versus SILÊNCIO I
um poema a cada dia vinte e um
21 de março 2021
dia mundial da poesia
Neste dia em que celebramos as palavras, desejamos que elas nos aproximem cada vez mais da Palavra que, em Jesus, nos foi legada. Que o Evangelho receba de cada um de nós uma casa onde habitar, um campo onde dar fruto e um louvor de gratidão.
Há uma criança que se ergue
do berço de cada palavra.Se dorme,
Demoramo-nos a decorar-lhe os traços
No silêncio do seu pousio.
Se desperta,
Colhemos maravilhados
O espanto dos seus sentidos.
Ela cresce
Na demorada extensão do tempo
Fazendo-nos crescer
Na lenta compreensão da vida.São crianças as palavras
Que nos fazem levantar a meio da noite
Pois só encontram descanso ao colo da promessa

De recriarmos um gesto onde possam deitar-se
E acordar de novo
Para deixar tudo forado lugar.

Elas desarrumam a casa e a vida.
E se assim não for,
se não há barulho e alegria
quedas e choro
tinta nas paredes
sofás riscados e a mais sincera gargalhada,
É melhor ir espreitar

Porque a palavra é uma festa
Felizes os convidados paraa ceia da verdade.

Aí as tuas palavras são crianças inconvenientes e inoportunas
Para desconserto das certezas que fechamos inacabadas.
E atrapalhados pelas perguntas aguçadas de tão simples
E cheias de razão,
Reinventamos contritos e humilhados
A promessa da escuta,
A fome do estudante,
A confiança do pobre.
Não sabemos de onde vêm nem para onde vão:
As tuas palavras são crianças que crescem
De noite.

A cada uma delas seja dada uma casa
Um campo e um louvor.


Verónica Benedito, asm
Voz de Fausto Raínho Ferreira
Cruzei o olhar com a Mulher
19.01.22
PALAVRA versus SILÊNCIO II
um poema a cada dia vinte e um
21 de abril 2021
Trazemos ainda viva a memória da Páscoa do Senhor, do dom da cruz e da herança tão grande que dela nos veio – a Mulher que nos deste. Com Ela, a Mãe de todas as horas, acolhamos o Senhor inteiro nos passos da nossa vida. Que o Senhor venha e nos faça ir, nos ajude a permanecer e a ser lugar escondido carregado da Sua presença.
Cruzei o olhar com a Mulher que nos deste
Sob aquela árvore nobre e gloriosa
Da qual nos veio como fruto
A morte e a Vida.

Guardo ainda memória
Das suas mãos estendidas
Do corpo curvado e
Olhar fundo a sussurrar-Te:

Largo a mão do teu corpo,
meu Filho, que te perdi
para Te ganhar
inteiro.
Agora nasces, atravessado no meu colo,
no coração de quem se atreve
a acolher-te
de vez.

Dá-te à luz o Pai
já sem tempo e sem lugar,
em nós,
para sempre.

Vem.
Vindima-me e cerca o rebanho que acusa dispersão
Quero ser de uma só peça.

Vou.
Quero correr
“pelos caminhos e azinhagas”
Reclamar presenças.
Pois é do tamanho cheio
Que queres a casa
e a mesa e o banquete.

Permaneço.
Encosto o meu rosto sobre o peito:
quero nascer de
dentro.
Cobre-me com o manto da tua
misericórdia e
faz-me crescer.

E ser
lugar escondido
Como árvore onde pousam as aves
Do Céu.
E se abrigam.
Se refugiam.
Se escondem.
e Te escondem.


Ângela Oliveira, asm
Em cada instante graças Te dou!
19.01.22
PALAVRA versus SILÊNCIO III
um poema a cada dia vinte e um
21 de maio 2021
Viver o dom da vida, é deixar-me ser olhada por Deus e deixar que Ele diga quem sou, na criança-filha de Deus, que aprendeu a crescer e a conhecê-lo sob olhar do Crucificado. A Sua fidelidade, torna-me criança, por isso, na peregrinação da vida, chamo por Ele, reúno tudo o que há em mim e no silêncio da Paixão da Vida, aprendo a viver em ação de graças em cada instante n’Aquele que me faz tomar parte na Sua vida, da sua santidade.

Por isso, como o Apóstolo Paulo, não cesso de “com alegria; dar graças ao Pai, que nos tornou capazes de tomar parte na herança dos santos na luz” (Cl1,12), pedindo o bastante, o pão de cada dia no diálogo escondido com o Pai.
Em cada instante graças Te dou!

Tu que me olhaste no Teu pensamento,
No silêncio do tálamo nupcial
Uma vida nasceu.
E me geraste na palavra
Quando o meu nome pronunciaste
E o corpo me deste.

Conhecida na eternidade
E dada a conhecer no tempo…

Vida de uma frágil criança
Que o Teu nome aprendeu a balbuciar
No regaço de sua mãe
Quando no príncipio Te contemplava
Mesmo desconhecendo-Te…

A cruz,
Lugar onde os nossos olhares
Se cruzaram e mais se conheceram.
E sob esse olhar
O Teu dom foi crescendo em mim
Na paixão de um amor maior.

Na Tua fidelidade a minha pequenez.

Chamo por Ti
Reúno os destroços e as minhas ruínas
tomo-os nas mãos como dom
peregrina no silêncio da Paixão da Vida
Em cada instante
Graças Te dou!

Ensinas-me a ser forasteira
A percorrer caminhos nunca antes imaginados
Pedindo o bastante: o pão de cada dia
No diálogo escondido com o Pai.

Trago em mim
Esse dom tão frágil e único:
vida na Vida
porque me trazes em Ti também.

Subamos juntos
A calçada da minha fragilidade.
Faz-me Tua memória
Nos mais pequenos gestos.

Faz-me tua cúmplice
Porque em mim nada é fora de Ti
E a vida que tenho, é Tua.


Sofia Mendes, asm
O último andar
19.01.22
PALAVRA versus SILÊNCIO IV
um poema a cada dia vinte e um
21 de junho 2021
São Francisco Marto disse um dia à Lúcia e à Jacinta: “Daqui a pouco, já Nosso Senhor me leva pró pé dele e, então, vejo-O sempre”. Era o grande desejo do coração deste menino: estar sempre perto de Nosso Senhor e olhar para Ele. O seu coração de criança desejava ardentemente o Reino que lhe estava prometido, de tal forma que se lhe falássemos do Céu, o último andar, o Francisco diria: “é lá que eu quero morar”!Que ele nos ensine a tornarmo-nos como crianças, pois, como nos disse Jesus, é a elas que pertence o Reino (cf. Mt 19,14).
O último andar

No último andar é mais bonito:
do último andar se vê o mar.
É lá que eu quero morar.

O último andar é muito longe:
custa-se muito a chegar.
Mas é lá que eu quero morar.

Todo o céu fica a noite inteira
sobre o último andar.
É lá que eu quero morar.

Quando faz lua, no terraço
fica todo o luar.
É lá que eu quero morar.

Os passarinhos lá se escondem,
para ninguém os maltratar:
no último andar.

De lá se avista o mundo inteiro:
tudo parece perto, no ar.
É lá que eu quero morar:

no último andar.


Cecília Meireles
Voz de Constança Paiva Couceiro
Seleção de Ana Felício, asm