SÃO FRANCISCO MARTO,
O EVANGELHO VIVO EM CARNE E OSSO




Ana Luísa Castro, asm
Artigo originalmente publicado no jornal “O Mensageiro do menino Jesus de Praga”


P. Andreas Lind SJ

A venerável irmã Lúcia revela ter sentido saudades do seu primo Francisco logo quando ele partiu desta vida em 1919.[1] E a vidente define essa palavra, tão portuguesa, tão nossa, como “a lembrança do passado [que ecoa] sempre na eternidade.”[2] Eternidade, é a atual morada de Francisco. Disso, podemos estar certos. Até porque a eternidade foi a sua morada de sempre, mesmo enquanto ele habitou este mundo finito e imperfeito, dado aos simples mortais como nós.

Foi, portanto, há cem anos que Francisco Marto partiu para o derradeiro encontro com o Pai. Além disso, o santo que deixou esta vida ainda em estado de criança faria hoje, neste 11 de junho, 111 anos. Por isso, ao celebrar um aniversário tão avançado de quem sempre foi e será apenas criança, somos convidados a escutar as palavras de Jesus a partir da figura de São Francisco Marto – “Deixai as crianças e não as impeçais de se aproximarem de mim… o reino de Deus pertence aos que são como elas” (Mt 19, 14).

Num aniversário celebra-se o dom da pessoa a quem foi dado viver: a pessoa inteira em toda a sua vida, no que ela tem de mais simples e genuíno; deixemos então, por um instante, os momentos grandiosos, os grandes sucessos, as graças particulares; nada disso é necessário para que possamos festejar um aniversário. Basta ser, existir.

Deixemos em suspenso as revelações privadas que Francisco recebeu “através dos sentidos internos” no assim chamado “milagre de Fátima”.[3] Foquemo-nos, por agora, no coração que acolheu a graça de tais visões. Pois, como diz a irmã Ângela Coelho *:

“Celebrar a santidade de um servo de Deus é celebrar, primeiro, a santidade de Deus, o todo Santo que santifica cada mulher e cada homem dispostos a acolher o dom da sua graça.”

A Quarta memória da irmã Lúcia dá-nos o retrato de quem hoje festejamos. O primeiro traço característico da personalidade de Francisco expressa-se pelos adjetivos “pacífico” e “condescendente”.[4] Há algo de fascinante neste santo, porque de uma criança espera-se que seja birrenta e que exija tudo o que julga pertencer-lhe por direito. Mas Francisco parecia, pelo contrário, gostar de fazer todas as vontades da sua irmã Jacinta e quando as outras crianças lhe tiravam coisas que por direito lhe pertenciam, dizia: “deixa lá! A mim que me importa?”[5] Na sua simplicidade, a irmã Lúcia afirma que “se [ele] houvesse crescido, o seu defeito principal seria o de não-te-rales.”[6] O não-te-rales de Francisco Marto expressa o Evangelho de Cristo, não tanto em palavras, mas em gestos, numa vida de carne e osso. Ou não seria Jesus quem ordena: “Amai os vossos inimigos (…) a quem te tirar o manto não lhe negues a túnica” (Lc 6, 27-29).

De facto, o Evangelho estava impregnado na sua pessoa, no seu ser. Prova disso, é o gosto que ele manifestava pela oração. A vidente de Fátima conta-nos, a esse propósito, que “Francisco era de poucas palavras; e para fazer a sua oração e oferecer os seus sacrifícios, gostava de se ocultar.”[7] Ele preferia rezar sozinho, sem a companhia da irmã e da prima, as quais o encontravam frequentemente escondido em poses orantes. Além disso, Francisco preferia “consolar Nosso Senhor” a “converter pecadores” ou a “fazer sacrifícios.” Tudo isso manifesta a enorme intimidade com Jesus, qual Deus, que nutria o seu coração.

Provavelmente ele nunca terá lido o Evangelho de uma ponta à outra, mas as palavras de Jesus pareciam fazer parte da sua natureza – “Quando fores rezar, entra no teu quarto, fecha a porta e reza a teu Pai em segredo” (Mt 6, 6).

Talvez pareça paradoxal, ou até mesmo contraditório, preferir rezar sozinho, sem a companhia daqueles a quem se quer fazer as vontades. A relação vertical com Deus era de tal modo íntima que Francisco necessitava de tempos exclusivos, só entre ele e Jesus, o Pai ou o Espírito. Como consequência dessa relação vertical, o coração abria-se aos laços horizontais com os seus semelhantes, o próximo.

Enquanto criança, Francisco Marto manifesta ser um homem simples e genuíno. E é essa simplicidade, essa autenticidade, de quem sabe que nada nesta vida lhe é devido, que permite abrir o coração ao dom, qual graça divina.
Ao contemplar o pequeno Francisco, em carne e osso, com o seu “pifarito”, nos prados de Fátima, com todas as graças que Deus lhe concedeu, podemos escutar e compreender as palavras de Jesus: “Dou-te graças, Pai, Senhor do Céu e da terra! Porque, ocultando estas coisas aos sábios e aos entendidos, tu as revelastes aos pequeninos” (Mt 11, 25)

Obrigado Francisco Marto. Muitos parabéns! Intercede por nós!




[1] Cf. Memórias da Irmã Lúcia I, Secretariado dos Pastorinhos, 13ª edição, Fátima 2007, pp. 164-165.

[2] Ibid., p. 165.

[3] Cf. Joseph Ratzinger, “Comentário teológico [sobre a mensagem de Fátima]”, in Memórias da Irmã Lúcia I, 13ª edição, Fátima 2007, p. 225.

[4] Memórias da Irmã Lúcia I, p. 136.

[5] Ibid., p. 136.

[6] Ibid., p. 137.

[7] Ibid., p. 155.

*Artigo - Para a Canonização dos Beatos falta apenas um milagre - Santuário de Fátima




Sobre o autor P. Andreas SJ:

Nascido a 16 de Julho de 1981, Andreas Gonçalves Lind veio a ser batizado a 11 de Abril de 2004, em Lisboa, a sua cidade Natal. Depois de se formar em Economia e de ter começado a sua atividade profissional ainda em Lisboa, acabou por escolher a vida religiosa. Entrou no Noviciado da Companhia de Jesus em Coimbra, a 25 de Setembro de 2005. E, desde então, tem seguido o percurso habitual da formação de um jesuíta: dois anos de Noviciado, seguidos de tempos de formação filosófica e teológica, intercalados pelo Magistério de dois anos, no Colégio São João de Brito, em Lisboa. Foi ordenado presbítero em 2016. Atualmente, encontra-se em Namur (Bélgica) a fazer um doutoramento em Filosofia.
Desafiado pela Ir. Bernardete de Oliveira, asm, o P. Andreas leu e rezou as Memórias da irmã Lúcia. Tocado pela breve vida de São Francisco Marto, o P. Andreas escreveu esta breve crónica a pedido da mesma irmã.
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