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Se eu tivesse que resumir a história da vocação que o Senhor escolheu para mim, numa única palavra, seria PAIXÃO.
Nela está contida a fragilidade do meu ser e a abertura do meu coração ao sentido do seu amor e do seu mistério, que encontra resposta na contemplação de Jesus na Cruz.
Chamo-me Sofia Mendes e encontro-me na Aliança de Santa Maria desde setembro de 2005. Sou natural de Constance – Marco de Canaveses – terra que me viu nascer e crescer. Sou a mais nova de quatro irmãos. Os meus pais são católicos e sempre transmitiram essa fé a seus filhos, não só através das palavras, mas também através dos seus atos, nomeadamente pelo exemplo e testemunho que eram para nós. Sempre nos incentivaram a ir à missa ao fim de semana, e à catequese não se podia faltar!
Era uma criança muito sossegada e tranquila. Porém, com a chegada da adolescência, tornei-me um pouco rebelde. Posso até dizer que, desde a escola primária, esta rebeldia vinha crescendo no meu interior. No 2º ciclo, passava os meus tempos livres essencialmente a jogar futebol, ténis de mesa ou matraquilhos com colegas que, por vezes, desconhecia. Como se dizia na altura era uma ‘maria-rapaz’. Era alegre e vivia a vida sempre em busca de aventura. Mas tinha outros passatempos. Gostava muito de ler. Lia qualquer livro, independentemente do seu tema. Gostava de conhecer novos autores e as suas formas de escrever. Mas também ouvia música, via filmes… Contudo, a vida não se baseia apenas naquilo de que gostamos, há também aqueles momentos difíceis ou, de outra forma, a vida não seria vida. É, também, com tais momentos que aprendemos a crescer.
A dada altura iniciei uma nova aventura – a do desporto. Mas à medida que mais me aventurava nesta nova fase, mais a vivência do ser cristão começou a ficar para trás; a título de exemplo, digo que somente frequentava a catequese para receber o sacramento do Crisma e poder ser madrinha. Cheguei a ser acólita e ia à missa todos os domingos, mas estava lá, desculpem-me a expressão, só de ‘corpo presente’. Não queria saber da Igreja. Deus era Alguém que existia, a quem eu recorria somente para pedir, mas por Quem não tinha uma grande amizade. Perdoem-me a comparação, mas era como precisar de alguma comida e ir ao supermercado. Se lá tiver o que queremos, tudo bem, se não, resolvemos de outra forma. Acreditava que existia Deus, mas não vivia nem a fé nem os ensinamentos da Igreja.
Em setembro de 2004, surgiu a oportunidade de jogar pelo FC do Marco. Realizava o meu sonho de criança – ser jogadora de futebol. Nesta altura estava no 11º ano. Em outubro, tive que tomar uma decisão. Ou continuava os estudos ou escolhia o desporto, pois os meus pais não conseguiam pagar as despesas da escola e as do desporto. Foi assim que optei pelo desporto e fui trabalhar. No ano seguinte, em março, fui chamada à Seleção de Futebol Sub-18. Não podia acreditar… Um sonho sempre desejado e… então alcançado.
Mas tive que adiar esse sonho,
pois Alguém irrompeu na minha vida
e destruiu a segurança dos meus passos.
Um campo de férias organizado pela Congregação da Aliança de Santa Maria, cuja missão já conhecia devido a umas conferências que fizeram na minha terra e às quais, sem perceber muito bem o porquê não faltei, deixando inclusive alguns treinos para trás, foi o instrumento que Deus utilizou para me despertar para Ele. Curiosamente, na véspera deste campo de férias foi-me apresentada uma proposta para jogar ténis. Iria iniciar uma nova época desportiva, conciliando o futebol e o ténis, logo que regressasse desse campo; assim julgava eu… Assim sendo, lá fui eu com duas amigas para esse campo de férias, embora não fosse do meu agrado. Ia, porque a amizade, por vezes, fala mais alto do que os nossos próprios gostos. No entanto, quando tomei consciência do ato em si, só me apetecia fugir daquele lugar. Interrogava-me como tinha trocado tudo (família, amigos, desporto) por uma semana com Deus.
O chão parecia escapar-me debaixo dos pés.
Foi uma semana diferente de todas as que tinha vivido até àquela data. Semana, onde o Senhor me chamava para Ele. A minha alma estremeceu, quando me percebi tocada pela sua Graça, mergulhada na sua PAIXÃO. No dia em que senti o chamamento, não sabia o que fazer. O que decidir?
Era necessário tomar uma decisão. Sentia medo,
mas havia algo mais forte do que esse medo.
Deus chama, contudo não força ninguém.
Deixa a cada um a plena liberdade de aceitar ou não o seu convite a tal chamamento. Em lágrimas disse-Lhe que SIM. Não poderia adiar mais o seu chamamento. Sentia-me cativada por Ele. Não me foi fácil deixar todo esse mundo desportivo e, principalmente, dizer à minha família que a minha vida iria mudar a 180 graus. Só uma “maluca” é que poderia fazer tal coisa. E eu fui uma delas. Dei esse passo apoiada unicamente numa fé frágil. Se o caminho seria esse, era necessário aprender a caminhar nele… Encantava-me o desporto, porém este chamamento incrivelmente forte dizia-me que era preciso seguir por outro caminho.
Era chegada a hora de acender a lâmpada que ainda permanecia escondida dentro de mim, a lâmpada de uma felicidade autêntica que me iluminava o caminho para o qual era chamada.
Era tempo de descalçar as chuteiras e trocar a paixão dos relvados pela PAIXÃO de Jesus. Aprender com Ele a ser peregrina num tempo e espaço onde, quando o amor se faz presente, nos faz experimentar fragmentos de eternidade.
O que me cativou nesta Congregação foi o testemunho das irmãs com quem convivi, a alegria e entrega total de cada uma delas à causa na sua autenticidade. Assim, de meados de julho a setembro de 2005 dediquei-me totalmente àqueles que mais amava, não lhes comunicando, ainda, a minha decisão, mas preparando-os para a grande surpresa. Muitos só o souberam depois de eu me juntar às minhas irmãs. Em setembro entrava para a Congregação.
Através do Coração Imaculado da Virgem Maria, nossa Mãe, hoje compreendo o que é deixar-se ferir por um amor maior quando se olha para Aquele que, porque me amou até ao extremo, se deixou crucificar vivendo a sua PAIXÃO por mim.
“Dou graças àquele que me confortou, Cristo Nosso Senhor, por me ter considerado digna de confiança, pondo-me ao seu serviço, a mim que antes fora blasfema, perseguidora e violenta. Mas alcancei misericórdia porque agi por ignorância, sem ter fé ainda (…) Ele veio ao mundo para salvar os pecadores dos quais eu sou a primeira.” (Cf. 1Tm 1, 12-15).
Viver a VIDA na plenitude de uma PAIXÃO…
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