SOMOS IRMÃS… AO QUADRADO!

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Esta é a resposta que damos à pergunta que nos é colocada vezes sem conta: “São irmãs?”“São irmãs?”
Não vimos outra forma de começar este testemunho a não ser assim. Quer dizer, pensando bem, outro modo seria citando o nosso livro favorito:

“Um pouco mais adiante, Jesus viu outros dois irmãos: Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João, os quais, com seu pai, Zebedeu, consertavam as redes, dentro do barco. Chamou-os, e eles, deixando no mesmo instante o barco e o pai, seguiram-no.” (Mt 4, 21-22) Jesus viu outras duas irmãs: Bernardete e depois a Ângela. Chamou-as.

Hoje, escrevemos isto com um sorriso rasgado nos lábios e de uma forma bem descontraída. Mas podemos confessar que, há uns bons anos atrás, esta seria uma ideia um tanto ou quanto constrangedora.

Sim! Ser “freira” nem sempre esteve nos nossos projetos (tanto que quase conseguimos convencer Deus que Ele estava enganado). Nenhuma de nós tinha planeado viver em comunidade, muito menos assim: juntas, numa mesma comunidade.

Em Guimarães, partilhámos o mesmo teto durante treze anos.

Os pais, duas outras irmãs e nós. Juntos lembramos, com carinho, as idas meio-atribuladas à missa dominical (“eram muitas mulheres” – diria o nosso pai), as orações rezadas à noite em família (tantas vezes a lutar contra o sono e o cansaço que se fazia sentir ao fim do dia), as muitas brincadeiras e partilhas com os primos e os vizinhos que fizeram tão feliz a nossa infância.

Passaram anos, uns 19, desde o nascimento da Bernardete, até ao momento de elafazer a mala para ir a um retiro das irmãs da Aliança de Santa Maria. Sim, o retiro que viria a abrir um novo horizonte à sua vida. Nesta altura, a Ângela guardava na mochila os livros do 6º ano e ía feliz à catequese, mas para a Bernardete era diferente, tudo o que lhe falasse de Deus pouco ou nada a interessava.

Então como é que a Bernardete foi parar a um retiro?

Juntemos uma agenda que raramente tinha dias em branco, a um fim de semana sem nada marcado, a um convite precisamente para esse fim de semana, um arriscar e assim foi.

À Bernardete atraía o barulho das noites de festa com os amigos, o namorado, o trabalho, as motas. Assim, o silêncio daquele retiro impôs um outro “barulho” que desconhecia: o do falar de Deus… do querer de Deus.

Relembra um pedaço de papel que lhe veio parar às mãos naquele fim de semana, e que a inquietou muito: “que sentido tem a tua vida?”. Esta questão veio confrontar todas as falsas seguranças e o medo do compromisso que sentia.

Depois desse retiro foi essencial o acompanhamento com alguém mais experiente, que a pudesse ajudar a responder às questões que surgiam e a motivasse ao encontro com o Mestre: “Já perguntaste a Deus o que Ele quer de ti?”. Ao ouvir esta provocação a Bernardete riu-se por dentro: “O quê? Perguntar a Deus o que Ele quer de mim? Mas que pergunta é esta? Eu é que sei o que eu quero!”.

Sentiu que não perdia nada – mal ela sabia que viria a “perder tudo” – e ousou perguntar.

Alguns hábitos novos foram tendo espaço no seu dia a dia, voltou à oração do terço (desta vez sem dormitar em família) que passou a ser a sua companhia no regresso a casa, no final de cada dia de trabalho e passou a visitar o Santíssimo Sacramento, depois do café que tomava com os amigos.

Olhando para a história, ela sente-se pertencer àqueles de quem Deus diz: “Deixei-me encontrar pelos que não me procuravam, manifestei-me aos que não perguntavam por mim.” (Is 65, 1)

No contacto com as irmãs da ASM deparou-se com outra realidade que ela pensava impossível conjugar: “é possível ser freira e ser feliz”! Fascinou-a a naturalidade das irmãs, que conversavam sobre todos os assuntos, que transpareciam uma alegria imensa e, simultaneamente, uma seriedade de vida.

A fazer quase 21 anos disse ‘Sim’ àquilo que Deus queria para ela. É por esta altura que a Ângela começa a participar nos encontros da Congregação da sua mana! “Como estará ela?” “Como é que a minha irmã foi para freira!? A Bernardete!?”

Antes, no subconsciente da Ângela pairava uma imagem de certa forma preconceituosa do que é “ser religiosa”, de semblante carrancudo, distante e rigorosamente séria.

Da desconfiança e distância iniciais, os encontros que a Ângela foi fazendo com a pastoral juvenil da Congregação foram quebrando os preconceitos que tinha em relação à vida religiosa e foram, essencialmente, aprofundando a sua relação com o Senhor: passar da ideia do Deus-altíssimo para um Deus-baixíssimo, que se queria colocar frente-a-frente consigo. Dar sentido a tudo. Atraiu-a, como à sua irmã, a naturalidade e a proximidade das irmãs, a alegria que brotava da comunidade.

Aos poucos, a Ângela já organizava a sua vida em função da agenda da pastoral da ASM, já não queria faltar a nenhum encontro, sabia sempre a pouco, sentia-se tocada, em cada momento, pelo mesmo olhar do Mestre que lhe fazia “arder o coração”. A questão impunha-se: “O que é que Deus quer de mim?”

Recorda um poema de Fernando Pessoa que descreve muito bem o que a acompanhava naquela fase: “para ser grande, sê inteiro”. Qual era a sua medida? Seria feliz na medida em que fosse inteira! Era uma questão de inteireza.

Mais uma vez, o processo de discernimento foi marcado por um tempo forte de oração e por algo fundamental: o acompanhamento, o “pôr em comum”.

“Ser irmã!” O “porquê eu?”, serenamente, se tornava num “porque não eu?” Imaginava-se ali, naquela casa, com aquelas irmãs, entregue daquela forma. O chamamento foi amadurecendo e a resposta cada vez mais clara: “Sim, o meu lugar era ali: cabeça, mãos e coração livres para Deus e para a humanidade.”

Mas nem sempre foi tudo claro. Houve altos e baixos. Perceber a vontade de Deus não se conjuga – a maior parte das vezes – com facilidade de entendimento. Aquela certeza ia ficando ofuscada… E então lá vinha o liceu, as artes, as saídas com os amigos, os jogos do Vitória de Guimarães, lá aparecia, uma e outra vez, um jovem por quem o coração batia mais forte. Uma outra paixão muito grande: o teatro – ao qual deu muito espaço e tempo. Houve luta interior, uma vontade de “apagar o histórico”, apagar os caminhos já percorridos. Nesta fase uma circunstância foi marcante no seu processo de discernimento: a morte de um amigo, num acidente de viação. O Tiago. Sentiu um abanão que a fez pensar no quanto a vida é frágil e breve, que a despertou para a importância de descobrir o seu lugar e de não ‘defraudar’ Deus.

Assim… Chegada a casa, quando o silêncio enfim ganhava voz no quarto. Irresistível. O lugar e a marca que Deus ocupava nela era mais forte do que qualquer outra paixão. Ela sabia que já não sabia ser sem Ele e quis seguir o que sabia.


Irmãs ao quadrado, desde que estamos nesta mesma Congregação, envolvidas num mesmo seguimento, comprometidas com um mesmo carisma e uma comunidade, lembramos os santos Francisco e Jacinta que, sendo irmãos, chegaram a saborear juntos essa amizade com Deus e em Deus.


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A HORA DE ACENDER A LÂMPADA

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Se eu tivesse que resumir a história da vocação que o Senhor escolheu para mim, numa única palavra, seria PAIXÃO.

Nela está contida a fragilidade do meu ser e a abertura do meu coração ao sentido do seu amor e do seu mistério, que encontra resposta na contemplação de Jesus na Cruz.


Chamo-me Sofia Mendes e encontro-me na Aliança de Santa Maria desde setembro de 2005. Sou natural de Constance – Marco de Canaveses – terra que me viu nascer e crescer. Sou a mais nova de quatro irmãos. Os meus pais são católicos e sempre transmitiram essa fé a seus filhos, não só através das palavras, mas também através dos seus atos, nomeadamente pelo exemplo e testemunho que eram para nós. Sempre nos incentivaram a ir à missa ao fim de semana, e à catequese não se podia faltar!

Era uma criança muito sossegada e tranquila. Porém, com a chegada da adolescência, tornei-me um pouco rebelde. Posso até dizer que, desde a escola primária, esta rebeldia vinha crescendo no meu interior. No 2º ciclo, passava os meus tempos livres essencialmente a jogar futebol, ténis de mesa ou matraquilhos com colegas que, por vezes, desconhecia. Como se dizia na altura era uma ‘maria-rapaz’. Era alegre e vivia a vida sempre em busca de aventura. Mas tinha outros passatempos. Gostava muito de ler. Lia qualquer livro, independentemente do seu tema. Gostava de conhecer novos autores e as suas formas de escrever. Mas também ouvia música, via filmes… Contudo, a vida não se baseia apenas naquilo de que gostamos, há também aqueles momentos difíceis ou, de outra forma, a vida não seria vida. É, também, com tais momentos que aprendemos a crescer.

A dada altura iniciei uma nova aventura – a do desporto. Mas à medida que mais me aventurava nesta nova fase, mais a vivência do ser cristão começou a ficar para trás; a título de exemplo, digo que somente frequentava a catequese para receber o sacramento do Crisma e poder ser madrinha. Cheguei a ser acólita e ia à missa todos os domingos, mas estava lá, desculpem-me a expressão, só de ‘corpo presente’. Não queria saber da Igreja. Deus era Alguém que existia, a quem eu recorria somente para pedir, mas por Quem não tinha uma grande amizade. Perdoem-me a comparação, mas era como precisar de alguma comida e ir ao supermercado. Se lá tiver o que queremos, tudo bem, se não, resolvemos de outra forma. Acreditava que existia Deus, mas não vivia nem a fé nem os ensinamentos da Igreja.

Em setembro de 2004, surgiu a oportunidade de jogar pelo FC do Marco. Realizava o meu sonho de criança – ser jogadora de futebol. Nesta altura estava no 11º ano. Em outubro, tive que tomar uma decisão. Ou continuava os estudos ou escolhia o desporto, pois os meus pais não conseguiam pagar as despesas da escola e as do desporto. Foi assim que optei pelo desporto e fui trabalhar. No ano seguinte, em março, fui chamada à Seleção de Futebol Sub-18. Não podia acreditar… Um sonho sempre desejado e… então alcançado.


Mas tive que adiar esse sonho,
pois Alguém irrompeu na minha vida
e destruiu a segurança dos meus passos.


Um campo de férias organizado pela Congregação da Aliança de Santa Maria, cuja missão já conhecia devido a umas conferências que fizeram na minha terra e às quais, sem perceber muito bem o porquê não faltei, deixando inclusive alguns treinos para trás, foi o instrumento que Deus utilizou para me despertar para Ele. Curiosamente, na véspera deste campo de férias foi-me apresentada uma proposta para jogar ténis. Iria iniciar uma nova época desportiva, conciliando o futebol e o ténis, logo que regressasse desse campo; assim julgava eu… Assim sendo, lá fui eu com duas amigas para esse campo de férias, embora não fosse do meu agrado. Ia, porque a amizade, por vezes, fala mais alto do que os nossos próprios gostos. No entanto, quando tomei consciência do ato em si, só me apetecia fugir daquele lugar. Interrogava-me como tinha trocado tudo (família, amigos, desporto) por uma semana com Deus.

O chão parecia escapar-me debaixo dos pés.


Foi uma semana diferente de todas as que tinha vivido até àquela data. Semana, onde o Senhor me chamava para Ele. A minha alma estremeceu, quando me percebi tocada pela sua Graça, mergulhada na sua PAIXÃO. No dia em que senti o chamamento, não sabia o que fazer. O que decidir?

Era necessário tomar uma decisão. Sentia medo,
mas havia algo mais forte do que esse medo.
Deus chama, contudo não força ninguém.


Deixa a cada um a plena liberdade de aceitar ou não o seu convite a tal chamamento. Em lágrimas disse-Lhe que SIM. Não poderia adiar mais o seu chamamento. Sentia-me cativada por Ele. Não me foi fácil deixar todo esse mundo desportivo e, principalmente, dizer à minha família que a minha vida iria mudar a 180 graus. Só uma “maluca” é que poderia fazer tal coisa. E eu fui uma delas. Dei esse passo apoiada unicamente numa fé frágil. Se o caminho seria esse, era necessário aprender a caminhar nele… Encantava-me o desporto, porém este chamamento incrivelmente forte dizia-me que era preciso seguir por outro caminho.



Era chegada a hora de acender a lâmpada que ainda permanecia escondida dentro de mim, a lâmpada de uma felicidade autêntica que me iluminava o caminho para o qual era chamada.


Era tempo de descalçar as chuteiras e trocar a paixão dos relvados pela PAIXÃO de Jesus. Aprender com Ele a ser peregrina num tempo e espaço onde, quando o amor se faz presente, nos faz experimentar fragmentos de eternidade.

O que me cativou nesta Congregação foi o testemunho das irmãs com quem convivi, a alegria e entrega total de cada uma delas à causa na sua autenticidade. Assim, de meados de julho a setembro de 2005 dediquei-me totalmente àqueles que mais amava, não lhes comunicando, ainda, a minha decisão, mas preparando-os para a grande surpresa. Muitos só o souberam depois de eu me juntar às minhas irmãs. Em setembro entrava para a Congregação.

Através do Coração Imaculado da Virgem Maria, nossa Mãe, hoje compreendo o que é deixar-se ferir por um amor maior quando se olha para Aquele que, porque me amou até ao extremo, se deixou crucificar vivendo a sua PAIXÃO por mim.


“Dou graças àquele que me confortou, Cristo Nosso Senhor, por me ter considerado digna de confiança, pondo-me ao seu serviço, a mim que antes fora blasfema, perseguidora e violenta. Mas alcancei misericórdia porque agi por ignorância, sem ter fé ainda (…) Ele veio ao mundo para salvar os pecadores dos quais eu sou a primeira.” (Cf. 1Tm 1, 12-15).

Viver a VIDA na plenitude de uma PAIXÃO…


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SOMOS IRMÃS… AO QUADRADO!

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Esta é a resposta que damos à pergunta que nos é colocada vezes sem conta: “São irmãs?”“São irmãs?”
Não vimos outra forma de começar este testemunho a não ser assim. Quer dizer, pensando bem, outro modo seria citando o nosso livro favorito:

“Um pouco mais adiante, Jesus viu outros dois irmãos: Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João, os quais, com seu pai, Zebedeu, consertavam as redes, dentro do barco. Chamou-os, e eles, deixando no mesmo instante o barco e o pai, seguiram-no.” (Mt 4, 21-22) Jesus viu outras duas irmãs: Bernardete e depois a Ângela. Chamou-as.

Hoje, escrevemos isto com um sorriso rasgado nos lábios e de uma forma bem descontraída. Mas podemos confessar que, há uns bons anos atrás, esta seria uma ideia um tanto ou quanto constrangedora.

Sim! Ser “freira” nem sempre esteve nos nossos projetos (tanto que quase conseguimos convencer Deus que Ele estava enganado). Nenhuma de nós tinha planeado viver em comunidade, muito menos assim: juntas, numa mesma comunidade.

Em Guimarães, partilhámos o mesmo teto durante treze anos.

Os pais, duas outras irmãs e nós. Juntos lembramos, com carinho, as idas meio-atribuladas à missa dominical (“eram muitas mulheres” – diria o nosso pai), as orações rezadas à noite em família (tantas vezes a lutar contra o sono e o cansaço que se fazia sentir ao fim do dia), as muitas brincadeiras e partilhas com os primos e os vizinhos que fizeram tão feliz a nossa infância.

Passaram anos, uns 19, desde o nascimento da Bernardete, até ao momento de elafazer a mala para ir a um retiro das irmãs da Aliança de Santa Maria. Sim, o retiro que viria a abrir um novo horizonte à sua vida. Nesta altura, a Ângela guardava na mochila os livros do 6º ano e ía feliz à catequese, mas para a Bernardete era diferente, tudo o que lhe falasse de Deus pouco ou nada a interessava.

Então como é que a Bernardete foi parar a um retiro?

Juntemos uma agenda que raramente tinha dias em branco, a um fim de semana sem nada marcado, a um convite precisamente para esse fim de semana, um arriscar e assim foi.

À Bernardete atraía o barulho das noites de festa com os amigos, o namorado, o trabalho, as motas. Assim, o silêncio daquele retiro impôs um outro “barulho” que desconhecia: o do falar de Deus… do querer de Deus.

Relembra um pedaço de papel que lhe veio parar às mãos naquele fim de semana, e que a inquietou muito: “que sentido tem a tua vida?”. Esta questão veio confrontar todas as falsas seguranças e o medo do compromisso que sentia.

Depois desse retiro foi essencial o acompanhamento com alguém mais experiente, que a pudesse ajudar a responder às questões que surgiam e a motivasse ao encontro com o Mestre: “Já perguntaste a Deus o que Ele quer de ti?”. Ao ouvir esta provocação a Bernardete riu-se por dentro: “O quê? Perguntar a Deus o que Ele quer de mim? Mas que pergunta é esta? Eu é que sei o que eu quero!”.

Sentiu que não perdia nada – mal ela sabia que viria a “perder tudo” – e ousou perguntar.

Alguns hábitos novos foram tendo espaço no seu dia a dia, voltou à oração do terço (desta vez sem dormitar em família) que passou a ser a sua companhia no regresso a casa, no final de cada dia de trabalho e passou a visitar o Santíssimo Sacramento, depois do café que tomava com os amigos.

Olhando para a história, ela sente-se pertencer àqueles de quem Deus diz: “Deixei-me encontrar pelos que não me procuravam, manifestei-me aos que não perguntavam por mim.” (Is 65, 1)

No contacto com as irmãs da ASM deparou-se com outra realidade que ela pensava impossível conjugar: “é possível ser freira e ser feliz”! Fascinou-a a naturalidade das irmãs, que conversavam sobre todos os assuntos, que transpareciam uma alegria imensa e, simultaneamente, uma seriedade de vida.

A fazer quase 21 anos disse ‘Sim’ àquilo que Deus queria para ela. É por esta altura que a Ângela começa a participar nos encontros da Congregação da sua mana! “Como estará ela?” “Como é que a minha irmã foi para freira!? A Bernardete!?”

Antes, no subconsciente da Ângela pairava uma imagem de certa forma preconceituosa do que é “ser religiosa”, de semblante carrancudo, distante e rigorosamente séria.

Da desconfiança e distância iniciais, os encontros que a Ângela foi fazendo com a pastoral juvenil da Congregação foram quebrando os preconceitos que tinha em relação à vida religiosa e foram, essencialmente, aprofundando a sua relação com o Senhor: passar da ideia do Deus-altíssimo para um Deus-baixíssimo, que se queria colocar frente-a-frente consigo. Dar sentido a tudo. Atraiu-a, como à sua irmã, a naturalidade e a proximidade das irmãs, a alegria que brotava da comunidade.

Aos poucos, a Ângela já organizava a sua vida em função da agenda da pastoral da ASM, já não queria faltar a nenhum encontro, sabia sempre a pouco, sentia-se tocada, em cada momento, pelo mesmo olhar do Mestre que lhe fazia “arder o coração”. A questão impunha-se: “O que é que Deus quer de mim?”

Recorda um poema de Fernando Pessoa que descreve muito bem o que a acompanhava naquela fase: “para ser grande, sê inteiro”. Qual era a sua medida? Seria feliz na medida em que fosse inteira! Era uma questão de inteireza.

Mais uma vez, o processo de discernimento foi marcado por um tempo forte de oração e por algo fundamental: o acompanhamento, o “pôr em comum”.

“Ser irmã!” O “porquê eu?”, serenamente, se tornava num “porque não eu?” Imaginava-se ali, naquela casa, com aquelas irmãs, entregue daquela forma. O chamamento foi amadurecendo e a resposta cada vez mais clara: “Sim, o meu lugar era ali: cabeça, mãos e coração livres para Deus e para a humanidade.”

Mas nem sempre foi tudo claro. Houve altos e baixos. Perceber a vontade de Deus não se conjuga – a maior parte das vezes – com facilidade de entendimento. Aquela certeza ia ficando ofuscada… E então lá vinha o liceu, as artes, as saídas com os amigos, os jogos do Vitória de Guimarães, lá aparecia, uma e outra vez, um jovem por quem o coração batia mais forte. Uma outra paixão muito grande: o teatro – ao qual deu muito espaço e tempo. Houve luta interior, uma vontade de “apagar o histórico”, apagar os caminhos já percorridos. Nesta fase uma circunstância foi marcante no seu processo de discernimento: a morte de um amigo, num acidente de viação. O Tiago. Sentiu um abanão que a fez pensar no quanto a vida é frágil e breve, que a despertou para a importância de descobrir o seu lugar e de não ‘defraudar’ Deus.

Assim… Chegada a casa, quando o silêncio enfim ganhava voz no quarto. Irresistível. O lugar e a marca que Deus ocupava nela era mais forte do que qualquer outra paixão. Ela sabia que já não sabia ser sem Ele e quis seguir o que sabia.


Irmãs ao quadrado, desde que estamos nesta mesma Congregação, envolvidas num mesmo seguimento, comprometidas com um mesmo carisma e uma comunidade, lembramos os santos Francisco e Jacinta que, sendo irmãos, chegaram a saborear juntos essa amizade com Deus e em Deus.


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A HORA DE ACENDER A LÂMPADA

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Se eu tivesse que resumir a história da vocação que o Senhor escolheu para mim, numa única palavra, seria PAIXÃO.

Nela está contida a fragilidade do meu ser e a abertura do meu coração ao sentido do seu amor e do seu mistério, que encontra resposta na contemplação de Jesus na Cruz.


Chamo-me Sofia Mendes e encontro-me na Aliança de Santa Maria desde setembro de 2005. Sou natural de Constance – Marco de Canaveses – terra que me viu nascer e crescer. Sou a mais nova de quatro irmãos. Os meus pais são católicos e sempre transmitiram essa fé a seus filhos, não só através das palavras, mas também através dos seus atos, nomeadamente pelo exemplo e testemunho que eram para nós. Sempre nos incentivaram a ir à missa ao fim de semana, e à catequese não se podia faltar!

Era uma criança muito sossegada e tranquila. Porém, com a chegada da adolescência, tornei-me um pouco rebelde. Posso até dizer que, desde a escola primária, esta rebeldia vinha crescendo no meu interior. No 2º ciclo, passava os meus tempos livres essencialmente a jogar futebol, ténis de mesa ou matraquilhos com colegas que, por vezes, desconhecia. Como se dizia na altura era uma ‘maria-rapaz’. Era alegre e vivia a vida sempre em busca de aventura. Mas tinha outros passatempos. Gostava muito de ler. Lia qualquer livro, independentemente do seu tema. Gostava de conhecer novos autores e as suas formas de escrever. Mas também ouvia música, via filmes… Contudo, a vida não se baseia apenas naquilo de que gostamos, há também aqueles momentos difíceis ou, de outra forma, a vida não seria vida. É, também, com tais momentos que aprendemos a crescer.

A dada altura iniciei uma nova aventura – a do desporto. Mas à medida que mais me aventurava nesta nova fase, mais a vivência do ser cristão começou a ficar para trás; a título de exemplo, digo que somente frequentava a catequese para receber o sacramento do Crisma e poder ser madrinha. Cheguei a ser acólita e ia à missa todos os domingos, mas estava lá, desculpem-me a expressão, só de ‘corpo presente’. Não queria saber da Igreja. Deus era Alguém que existia, a quem eu recorria somente para pedir, mas por Quem não tinha uma grande amizade. Perdoem-me a comparação, mas era como precisar de alguma comida e ir ao supermercado. Se lá tiver o que queremos, tudo bem, se não, resolvemos de outra forma. Acreditava que existia Deus, mas não vivia nem a fé nem os ensinamentos da Igreja.

Em setembro de 2004, surgiu a oportunidade de jogar pelo FC do Marco. Realizava o meu sonho de criança – ser jogadora de futebol. Nesta altura estava no 11º ano. Em outubro, tive que tomar uma decisão. Ou continuava os estudos ou escolhia o desporto, pois os meus pais não conseguiam pagar as despesas da escola e as do desporto. Foi assim que optei pelo desporto e fui trabalhar. No ano seguinte, em março, fui chamada à Seleção de Futebol Sub-18. Não podia acreditar… Um sonho sempre desejado e… então alcançado.


Mas tive que adiar esse sonho,
pois Alguém irrompeu na minha vida
e destruiu a segurança dos meus passos.


Um campo de férias organizado pela Congregação da Aliança de Santa Maria, cuja missão já conhecia devido a umas conferências que fizeram na minha terra e às quais, sem perceber muito bem o porquê não faltei, deixando inclusive alguns treinos para trás, foi o instrumento que Deus utilizou para me despertar para Ele. Curiosamente, na véspera deste campo de férias foi-me apresentada uma proposta para jogar ténis. Iria iniciar uma nova época desportiva, conciliando o futebol e o ténis, logo que regressasse desse campo; assim julgava eu… Assim sendo, lá fui eu com duas amigas para esse campo de férias, embora não fosse do meu agrado. Ia, porque a amizade, por vezes, fala mais alto do que os nossos próprios gostos. No entanto, quando tomei consciência do ato em si, só me apetecia fugir daquele lugar. Interrogava-me como tinha trocado tudo (família, amigos, desporto) por uma semana com Deus.

O chão parecia escapar-me debaixo dos pés.


Foi uma semana diferente de todas as que tinha vivido até àquela data. Semana, onde o Senhor me chamava para Ele. A minha alma estremeceu, quando me percebi tocada pela sua Graça, mergulhada na sua PAIXÃO. No dia em que senti o chamamento, não sabia o que fazer. O que decidir?

Era necessário tomar uma decisão. Sentia medo,
mas havia algo mais forte do que esse medo.
Deus chama, contudo não força ninguém.


Deixa a cada um a plena liberdade de aceitar ou não o seu convite a tal chamamento. Em lágrimas disse-Lhe que SIM. Não poderia adiar mais o seu chamamento. Sentia-me cativada por Ele. Não me foi fácil deixar todo esse mundo desportivo e, principalmente, dizer à minha família que a minha vida iria mudar a 180 graus. Só uma “maluca” é que poderia fazer tal coisa. E eu fui uma delas. Dei esse passo apoiada unicamente numa fé frágil. Se o caminho seria esse, era necessário aprender a caminhar nele… Encantava-me o desporto, porém este chamamento incrivelmente forte dizia-me que era preciso seguir por outro caminho.



Era chegada a hora de acender a lâmpada que ainda permanecia escondida dentro de mim, a lâmpada de uma felicidade autêntica que me iluminava o caminho para o qual era chamada.


Era tempo de descalçar as chuteiras e trocar a paixão dos relvados pela PAIXÃO de Jesus. Aprender com Ele a ser peregrina num tempo e espaço onde, quando o amor se faz presente, nos faz experimentar fragmentos de eternidade.

O que me cativou nesta Congregação foi o testemunho das irmãs com quem convivi, a alegria e entrega total de cada uma delas à causa na sua autenticidade. Assim, de meados de julho a setembro de 2005 dediquei-me totalmente àqueles que mais amava, não lhes comunicando, ainda, a minha decisão, mas preparando-os para a grande surpresa. Muitos só o souberam depois de eu me juntar às minhas irmãs. Em setembro entrava para a Congregação.

Através do Coração Imaculado da Virgem Maria, nossa Mãe, hoje compreendo o que é deixar-se ferir por um amor maior quando se olha para Aquele que, porque me amou até ao extremo, se deixou crucificar vivendo a sua PAIXÃO por mim.


“Dou graças àquele que me confortou, Cristo Nosso Senhor, por me ter considerado digna de confiança, pondo-me ao seu serviço, a mim que antes fora blasfema, perseguidora e violenta. Mas alcancei misericórdia porque agi por ignorância, sem ter fé ainda (…) Ele veio ao mundo para salvar os pecadores dos quais eu sou a primeira.” (Cf. 1Tm 1, 12-15).

Viver a VIDA na plenitude de uma PAIXÃO…


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